quinta-feira, 13 de outubro de 2011

"Nó Na Orelha", Criolo


Oucex Le Disquex De Criolex!


São São Paulo, os novos paulistas passeiam na tua garoa. O conflito da arte urbana e a desordem dadaísta da cidade influenciam artistas desta e de outras gerações, que homenageiam a musa de concreto desfiando as muitas cores cobertas de cinza. Das gratas surpresas que apareceram recentemente, Criolo (ex Doido) é especial. Lançado em Abril, o segundo registro de estúdio do MC é “Nó Na Orelha”, na garganta, nas veias, na alma. Criolo rompe com as barreiras da MPB, do Rap, do Samba, da gente, e traz um disco cheio de referências lindas, timbres únicos e vocal mutante.



capa de "Nó Na Orelha" de Criolo


A primeira música já revela a versatilidade rítmica do disco de Criolo. "Bogotá", canção que abre o álbum, é um misto de afro-samba com pegada ska, contagiante. O tema da música gira em torno do tráfico de drogas na América Latina, romantizando a capital colombiana e estabelecendo um paralelo com Pasárgada, cidade persa consagrada na obra de Ma
nuel Bandeira. Em seguida, um rap de idioma paulistanês, "Subirusdoistiozin", canção que ganhou o primeiro (e lindo) videoclipe do álbum. A realidade da periferia nua e crua, "onde o filho chora e a mãe não vê". Em "Não Existe Amor Em SP", Criolo traz arranjo épico de cordas, embalando uma letra ácida de desamor pela cidade difícil. E avisa: "Aqui ninguém vai pro céu". "Mariô", que tem refrão de candomblé, invoca Chico, o rapper Sabotage, System Of A Down e até Mulatu Astatke, jazzista etiopiano. Influências das áureas épocas do Brega reinam no disco de Criolo, como "Freguês da Meia Noite" prova. Nascido no Grajaú, o cantor faz uma divertida brincadeira com palavras ao descrever o bairro onde cresceu. "Grajauex" retoma rimas e fala compassada, herança da formação musical de Criolo nas Rinhas de MCs. "Se é pra paz, a nação já tá armada", brada o MC, como quem quer revolução em "Samba Sambei", que se destaca com suas frases de cunho libertário. "Sucrilhos" é uma epopéia da periferia, rap agressivo. Frisando a disparidade de classes sociais, a canção vai se construindo. Um verso qu
e é quase um hino à miscigenação dá fechamento à música. "Lion Man" é a música que me provou que Criolo quebra com as barreiras da gente. Poesia cinza, concreta, indestrutível. Sem preocupações com regras formais e concordâncias na escrita, o MC escreve uma letra de sinceridade ímpar, que só alguém com a mesma vivência faria. E, finalmente, fechando o belo álbum de Criolo, "Linha de Frente" revela um sambista talentoso e bem humorado. Utilizando os personagens da Turma da Mônica, o MC apresenta novamente os problemas cotidianos do tráfico de drogas na periferia, "Cascão é rei do morro e a chapa esquenta fácil". E, ainda alerta: "Quem tá na linha de frente / Não pode amarelar / O sorriso inocente / Das crianças de lá".



nascido no Grajaú, Criolo é o destaque músical de 2011


Produzido por Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral, o novo de Criolo tem arrebatado os mais duros e ortodoxos corações, e já nasceu entre os melhores discos do ano.


Nó Na Orelha, Criolo, produzido por Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral, Beatriz Berjeaut CD, 2011


quinta-feira, 6 de outubro de 2011

"Pitanga", Mallu Magalhães


Mallu mostra sua brasilidade em disco solar e autoral.

É tempo de pitanga nos pomares. E, no pomar de Mallu, a semente plantada meio ano atrás rende frutos. O mais recente trabalho da cantora, o disco intitulado "Pitanga", traz canções sinceras, maduras e autorais. "Pitanga é bandeira de minha existência", escreveu em seu blog-diário ao sintetizar o disco, cuja essência autoral já é perceptível na primeira audição. O belo álbum produzido por Marcelo Camelo, namorado de Mallu, e co-produzido por Victor Rice, tem instrumental fino - grande parte tocado pelo Casal -, experimentações e arranjos às vezes espaçados, evidenciando a voz de Mallu. Quanto às composições, elas estão cada vez melhores, intensas e grande parte em língua portuguesa.



capa do disco "Pitanga"


"Velha e Louca" abre o disco, e Mallu avisa: "Pode falar que eu não ligo / Agora, amigo, eu tô em outra". Versos que refletem nitidamente a maturidade e confiança alcançadas nos quase quatro anos de carreira. O banjo, muito presente no primeiro disco (Mallu Magalhães, 2008) volta nessa faixa. Em seguida, a também conhecida dos shows "Cena", num arranjo belíssimo, remetendo à "A Outra", música do disco "Ventura" do Los Hermanos, grande referência da cantora. "Sambinha Bom", que entraria no segundo disco, é a próxima faixa, com instrumental cru, bateria preguiçosa e piano. "Olha só, Moreno" tem letra fofa e confecional, como quase todas do disco, porém a singeleza da música impressiona e cativa. Nesse disco, Mallu utilizou do inglês e português na mesma música, como acontece em "Youhuhu", canção divertida. Nesta mesma música, nos últimos versos, há um diálogo com a canção "Toque Dela", de autoria de Marcelo, "Por que se eu tô com ela / eu não quero mais ninguem", Mallu responde: "Só quero saber dele/ e nada mais importa". O amor, com suas alegrias e dificuldades, é um tema recorrente no disco. "Por Que Você Faz Assim Comigo?" é um dos pontos altos do álbum, por conta dos belíssimos versos e do arranjo que fica grandioso ao londo da audição "Talvez eu deva ser forte / Pedir ao mar por mais sorte / E aprender a navegar". "Baby, I'm Sure" traz Camelo no refrão. "In The Morning" traz Mallu ao piano, em uma doce canção de ninar. Dando continuidade ao clima romântico, "Lonely" é intensa e resgata o clima dos últimos dois álbuns, Mallu toca viola caipira. É válido ressaltar que, nesse disco, Mallu afirma seu talento como multi-instrumentista: toca os tradicionais violões, banjos e escaletas, e experimenta tocando acordeon, guitarra, piano e bateria. "Highly Sensitive" é outra ótima canção, destaque para as guitarras. Em "Oh, Ana", Mallu envoca Nara Leão, grande referência, muito explorada nas músicas. Fechando o disco, a experimental e climática "Cais" traz a Cantora ao piano, crua, confecional, em sua pura essência.



Mallu em foto de Marcelo Camelo

Para ouvir pitanga, é necessário esquecer dos ouvidos , é preciso abrir a alma. Assim, pitanga reverbera e se faz grande, tornando cada progressão de acorde e bordado de som um íntimo e apoteótico desfile de novas sensações.



Pitanga, Mallu Magalhães, produzido por Marcelo Camelo, Sony BMG, 2011.